
De avô pra neta
Vigésima quarta rodada do Campeonato Brasileiro da Série B. Ilha do Retiro, Recife. Sport e Bahia. Vinte e sete mil quatrocentos e trinta e dois torcedores, o oitavo maior público do campeonato. Vinte e cinco de setembro de 2010: meu aniversário de 13 anos.
De pai não-fanático tricolor e mãe muito-menos-fanática rubro-negra, a afeição pelo campo com vinte e dois jogadores e uma bola surgiu pelo avô e tio maternos. Todos os domingos eram, e ainda são, iguais: almoço com os três filhos, genros, nora e com a, até então, única neta, na casa azul de número 18. Depois da copa, era a vez da sala. Nove pessoas divididas nos dois sofás e no chão gelado. Eu sempre preferi o chão, assim como ele: vovô.
Na hora do jogo a televisão ficava muda e dava lugar para o radinho de pilha azul marinho. Ele sintonizava na 90.3 e acompanhava pelos dois ao mesmo tempo, meu avô era multimidiático antes que eu soubesse o que isso significava. O jogo começava e as mulheres preferiam mudar de lugar para o jardim onde contavam as novidades da semana. Eu continuava no chão gelado da sala. Painho, Tio Patrick, Tito, eu e Vovô. Nos 105 minutos de jogo e intervalo, os quatro viram técnicos e comentaristas dignos das melhores seleções e maiores emissoras.
Vinte e cinco de setembro de 2008, meus 11 anos. O aniversário foi surpresa na casa da avó paterna. Não faltaram presentes, mas teve o preferido: foi o dele. A primeira blusa do Sport com a terceira estrela, conquistada com a vitória da Copa do Brasil do mesmo ano, que tinha acabado de lançar. Todas as fotos daquele dia são com a blusa rubro-negra, algumas mostram a etiqueta que não lembrei de tirar.
Exatamente dois anos depois a roupa era a mesma no que seria o meu primeiro jogo de futebol. A família toda ia entrar em campo. O almoço já foi na Ilha do Retiro, me encantou ver aquela multidão bicromática no restaurante do estádio. O primeiro grito de guerra do time me arrepiou.
A bola começou a rolar. Seis minutos de jogo e veio o primeiro gol, Diego Corrêa marcava 1x0 pro Bahia. Quis chorar. Ele me disse que era só o começo e que tinha muito tempo pra virar. Quarenta e quatro minutos do primeiro tempo e Daniel Paulista deu o empate. Esperança. Aos vinte e dois do segundo tempo, Morais fez o segundo gol do time adversário. Acabou o jogo. Quis chorar. Perdi o meu primeiro jogo, logo no meu dia. O Sport não saiu da Série B naquele ano.
Não entramos mais no campo juntos, mas ainda podemos. A blusa continua dentro do guarda-roupa mesmo não cabendo mais. O radinho de pilha azul permanece funcionando depois de alguns reparos. Nos sábados, me atualizo sobre o time pra chegar afiada e virar comentarista junto com ele. Os domingos se mantêm na sala, os sofás mudaram mas o chão gelado ainda é o mesmo. Deixei de ser neta única, mas Manuela é pequena demais pra se concentrar na TV e Diego, o único menino, não suporta futebol. Canto “é gol, que felicidade” toda vez que algum time que estou torcendo marca ponto. Continuo sem gostar do Bahia.
Por Marcela Coutinho