
O que é futebol?
O quanto estudo é necessário para ser capaz de definir alguma coisa, seja ela abstrata ou concreta? Quanto conhecimento é necessário para entender alguma coisa, seja ela real ou apenas teórica? O futebol é mágico e místico porque faz questão de ser as duas coisas ao mesmo tempo: o abstrato e o concreto; a realidade e a teoria.
É muito simplista da nossa parte compreender o jogo apenas por aquilo que acontece dentro das quatro linhas por noventa minutos. Assim como também é pouco demais buscar entender a modalidade somente pelo seu impacto social, econômico e cultural. O apaixonante de uma partida está justamente em sua capacidade de alterar a realidade em que vivemos, mesmo que nós não sejamos as estrelas do espetáculo.
Aqueles que não gostam de futebol estão no seu direito, obviamente. Mas aqueles que tratam o jogo como algo sem importância, por mais que sejam acadêmicos, pessoas vividas ou detenham qualquer outro tipo de qualificação, certamente são limitados, cegos, e altamente incapazes de se permitir ser humano.
A emoção é inerente a nossa espécie, e o futebol é sinestésico, nostálgico e afetivo, afinal de contas, em qual outro momento da sua vida você será capaz de dividir uma emoção, um choro ou até mesmo uma risada com um desconhecido? Em qual outra hipótese é possível compartilhar do mesmo espaço com pessoas que normalmente não fazem parte da sua realidade social, política e econômica?
A questão não é ser preconceituoso, é apenas entender que dentro de um estádio de futebol não há esferas, níveis ou estratos. Todos os presentes se juntaram naquela tarde com um único objetivo, e são capazes de sair com uma esperança renovada, muitas vezes tomados por um sentimento incapaz de se descrever e altamente capaz de mudar a sua perspectiva, dando esperança e recarregando qualquer tipo de energia.
O som de um gol é como um interruptor. Ao simples disparo, *CLICK*, é impossível de se conter. Uma conquista é uma memória zelada com todo o carinho do mundo, e que vai ser passada de geração em geração, eternizada por livros, contos, vídeos e imagens. Sinestesia é isso. Sermos capazes de atrelar um barulho, uma narração, uma imagem ou até mesmo um objeto, a qualquer tipo de sentimento, dos mais eufóricos aos mais dolorosos.
Mas claro, a pergunta é inevitável: são os jogadores que fornecem essa realidade, através do gol, da conquista e etc. Como um torcedor, alguém que TEORICAMENTE não interfere na realidade de um jogo, é capaz de carregar tamanha emoção? Como a realidade de alguém que não realiza nenhuma ação pode ser mudada?
Mas eis a grande questão. A indefinição do futebol acontece justamente porque não há uma base de estudo. É teórico e prático; é emocional e racional; é gol e é grito.
Se há um esporte enfurnado e enraizado culturalmente, passado de pai para filho como uma das maiores heranças possíveis, esse é o futebol, pode ter certeza. Então você que considera essa modalidade como algo sem importância, diante de uma realidade como essa, eu te convido a explicar de uma maneira convincente como esse esporte é descartável se é capaz de transmitir um sentimento? Se é capaz de, toda semana, reunir milhares e milhões de pessoas somente pelo ato de torcer, e pelo prazer de ver o seu time balançar a rede?
Da mesma maneira que não conseguimos traçar uma definição para a alegria, a tristeza, a angústia ou a euforia, não há quem possa definir o futebol. É dramático? Sim. É hilário? Também. A sintetização real desse esporte é completamente individual. Se perguntarmos para 100 torcedores, teremos 100 respostas diferentes, e todas elas atreladas a um sentimento. E é aí que vem a grande sacada.
Para compreender o futebol é necessário viver, se permitir ir ao estádio e ser tomado por um sentimento coletivo. Por mais que uma ato como esse vá contra os seus princípios de um guerrilheiro anti-futebolístico, eu te convido a fazer um teste. Garanto que será no mínimo uma experiência diferente, e inicialmente, para os mais ranzinzas, suportável.
Você será capaz de entender e visualizar o ser humano em um estado natural, completamente unificado por uma só vontade e cego diante de qualquer diferença. Você será capaz de ver um altar sagrado, com torcedores que carregam suas crenças religiosas para as arquibancadas, e até rituais e vestes consideradas “da sorte”.
Mas independente daquilo que acontece dentro de um campo de futebol, talvez o aspecto mais bonito dessa ferramenta transformadora da nossa realidade seja justamente a sua capacidade de ir além do campo. Pode perceber que a toda esquina, em qualquer bairro, sempre alguém, geralmente um grupo de crianças, jogando futebol, praticando o esporte.
Além de nos permitir ter acesso a todas essas sensações, esse jogo também nos deixa fazer parte dele e sonhar com ele, ou você realmente acha que aquele adolescente que é goleiro de uma escolinha não se inspira em nomes como Dida, Marcos, Rogério Ceni, Neuer e etc.?
O mais importante do futebol em sua essência é a sua democracia, e ser um apaixonado por esse esporte é crer em tudo isso, ir ao estádio, e, em meio a uma semana corrida e cheia de afazeres, arranjar nem que uma hora e meia, ou 90 minutos, do seu dia para praticar, bater uma pelada, simplesmente pelo prazer.
Jamais será criado um jogo capaz de unir os extremos, parar guerras, juntar desconhecidos e mudar uma realidade. O futebol é certamente a maior invenção da humanidade, e a humanidade é a maior afirmação do futebol.
O mesmo gol, de David Luiz contra a Colômbia na Copa do Mundo de 2014, visto pela televisão e das arquibancadas
Por Antônio Gabriel Machado