
Homens na dança: Uma forma de resistência
Por Débora Oliveira
Friedrich Engels em “A origem da família, da propriedade privada e do estado” diz que a criação da propriedade privada e a transição da família primitiva para a família monogâmica iniciou a divisão de funções por sexo. Com isso, as mulheres recebiam papeis como cuidar da agricultura e das crianças enquanto os homens tinham como responsabilidade o sustento e proteção da casa. Com o passar do tempo, essas funções foram se aprimorando e modificando não apenas a relação em família, como a relação em sociedade. Praticar funções femininas ou possuir algum nível de “feminilidade” se tornou algo abominável para ser realizado pela figura masculina. A partir daí que surge a construção social de gênero que é reproduzida com o passar das décadas, sendo modificada e renovada. Essa construção é a responsável por transformar azul como cor exclusiva de meninos e rosa de meninas, e também afeta na prática de esportes. Mulheres não servem para jogar futebol, assim como homens não servem para dançar.
A dança, que surgiu antes da família monogâmica, ainda foi realizada por muito tempo estreitamente por homens, pela predominância dos gestos, perucas e roupas pomposas eram um retrato clássico da masculinidade ocidental. Com o tempo, as mulheres se inseriram aos poucos na dança e ao mesmo tempo, o padrão de masculinidade mudou; os músculos, a ideia de virilidade e força traziam um novo padrão que fugia completamente do exercício da dança, que trabalha movimentos corporais conduzidos, coreografados e quase sempre de forma leve. Com a ideia de masculinidade ameaçada, grande parte dos homens evitaram tanto o ato de dançar para lazer como também nas competições esportivas, que são marcadas pela presença essencialmente de mulheres.
Mas há quem, mesmo diante de todas as limitações, continue praticando e ensinando dança por aí. A prática chegou ao Brasil por meio dos Europeus, e não demorou muito para ser espalhada por todos os lugares. Em meio aos diferentes ritmos, os homens podem escolher qual se identificam melhor.
O ballet, no entanto, mesmo sendo uma das modalidades mais conhecidas e praticadas ainda é regada de bastante preconceito. Por ser um estilo que exige ainda mais delicadeza do dançarino, o ballet tem uma longa história de luta contra as imposições de gênero.
No ano de 1987, um fato marcou a história da presença masculina na dança. Apenas 30 anos atrás, o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, proibiu os alunos homens de frequentar aulas de ballet, pela simples suspeita de que esses alunos fossem homossexuais. Jânio ameaçou simplesmente fechar a escola caso as suas ordens não fossem cumpridas, e todos os alunos que não concordassem com as suas ordens deveria ser expulsos. Na época, a diretora da escola, Mariana Natal, que também era professora de balé, acatou as ordens do prefeito, e ainda eliminou 25 alunos classificamos como “anormais”.
Felizmente, aos poucos, a sociedade vem se tornando mais crítica e mudando seu ponto de vista sobre a dança. Cada vez mais, vemos grandes nomes masculinos surgindo e, cada vez menos, aceitamos o preconceito sobre as escolhas do próximo. E o caminho ideal é este: romper paradigmas e exercer o livre arbítrio. A dança é responsável por trabalhar os músculos, reforçar a agilidade e o equilíbrio, melhorar a autoestima e promover a socialização, então, por que não?
Profissional
Professores da dança, por vezes, são motivos de chacota e piadas sem graça acerca da sua sexualidade. No entanto, o número de profissionais tem demonstrado que a população masculina chegou e já conquistou um espaço, não apenas nas salas como nas competições que acontecem todos os meses.
Willames Mesquista é um desses casos. Hoje mantém uma média de 40 alunos
em todas as suas aulas. Conhecido como Will, é professor de dança e ginástica em
academias do Recife. Iniciou na dança quando ainda cursava o quarto período de
Engenharia Civil, frequentando aulas em uma academia. Decidiu trancar o curso e entrar
para o curso de educação física. Na época, ele pesava 90 quilos de massa gorda.
Além dos efeitos físicos aparentes, a nova escolha também fez bem para a alma:
“Eu sempre gostei de dançar. Comecei a emagrecer, fiquei melhor do que eu era, e isso
me motivou a ficar na profissão. A educação física tomou conta de mim de uma forma que
eu faltava aula para ir dançar. Então eu decidir trancar engenharia e não me arrependo”.
Grande parte das aulas de dança ainda se divide assim: 99% do público feminino e um ou
outro homem que frequenta a aula esporadicamente. Mas a importância da representatividade
é clara, afirma Will, que comenta ver homens dançando do lado de fora das suas aulas, com
receio de frequentar e sofrer com os comentários maldosos dos colegas de academia. Não é apenas
uma questão de gosto, e sim de construção de gênero - e quanto antes quebrarmos esse paradigma,
mais rápido estaremos à frente.
